Dedicado a Juvêncio de Arruda. Para quem Belém, pelo abandono, pela incivilidade pública, pela destruição sistemática da esperança de cidadania - embora ele lutasse permanentemente por ela - deixou de ser Santa Maria de Belém do Grão Pará.

 

Nas calçadas desertas de julho,
no domingo à tarde,
nas ruas da velha Cidade Velha,
cachorros sem dono
acompanham crianças idem,
e ainda que um lar seja mais do que casa e comida,
acho que se satisfariam apenas com isto,
os cachorros e as crianças.
 
Uma fila indiana de crianças e cães,
na indiana Nova Delhi do Grão Pará
enfeita a paisagem surreal.
Paira no ar uma alegria quase insana (*)
nessa compartilhada solidariedade
da caminhada de cachorros sem dono
e crianças sem lar.

 

(*) desde que coloquei este post, algo me incomoda. E agora, subitamente, descubro a sensação de plágio. Este verso lembra Sidônio Muralha "...paira no ar um ódio eletrizado e sobre cada prédio paira e plana, Lincoln que quis a vida mais humana, quantas vezes será assassinado?"

Amém.

(04.08.2009)

publicado por Adelina Braglia às 17:04 | link do post

 

Do mirante da janela do ônibus, vejo uma cidade esfacelada. Muito, muito distante daquilo que um dia foi e, mais ainda, do que poderia ser Santa Maria de Belém do Grão Pará.
 
Não são mais as sombras das mangueiras ou os sabores diferenciados das nossas frutas e sucos e sorvetes a griffe que abre as portas da nossa cidade. Talvez isto ainda exista no imaginário do turista, mas não mais para nós, habitantes dos destroços daquilo que queríamos para Belém.
 
São quase seis da tarde e nas avenidas e ruas por onde passo, cada um toma pra si um pedaço do espólio. Sejam os espigões que agora brotam do chão como sementes , ou os carros de churrasquinhos e lanches, bares, botequins e restaurantes na apropriação do espaço público. E, pouco importa à ganância - pequena e “justificável”, grande e criminosa - se o edifício tomará de vez de todos a ventilação necessária à sobrevivência da cidade ou se o lixo amontoa-se próximo às cadeiras ou às mesas onde vão nos servir. A barbárie cotidiana nos faz cada vez menos exigentes. E mais selvagens.
 
Bicicletas e motos andam na contramão. O motorista do ônibus, ensandecido pelo calor ou pelo cansaço – ou apenas porque considera que também tem direito à transgressão pública e institucional - atravessa o farol no vermelho.
 
Nos trechos de quarteirão onde há apenas casas, a frente de algumas está tomada pelo mato ou pelo capim alto, como a esperar que o poder público faça sua obrigação! Sim porque nós também somos bárbaros. O espaço público é meu se me traz vantagens. É do poder público se dele acho que nada usufruo.
 
Quando chego em casa  percebo que a Prefeitura recomeçou a destruição da 25 de setembro. Em breve teremos uma filial da Duque. Árida, brega e veloz! Talvez, moderna, na concepção do Átila e da sua entourage que nos desgovernam.
 
Alimentamo-nos das entranhas de uma cidade sem dono, sem poder instituído, salvo para os que se locupletam do recurso público. Só aí Belém tem dono. Só que, parodiando o poeta, Belém não há mais. Restou-nos Nova Déli, seus bárbaros e seu Chefete.
 
A concepção de cidadania está hoje diluída entre a ausência de limites públicos e privados e a omissão daqueles que ainda que  aterrorizados com o futuro que nos ameaça como metrópole autofágica,  poupam-se da batalha ou constroem rotas de fuga, como eu.  Nosso silêncio, nossa impossibilidade real ou subjetiva de sermos generosos e solidários numa luta pela reconstrução do direito de ter uma cidade para viver,  faz com que mereçamos o poema da Kaváfis:
 
“O que esperamos na ágora reunidos?
  É que os bárbaros chegam hoje.

Por que tanta apatia no senado?
Os senadores não legislam mais?

      É que os bárbaros chegam hoje.
      Que leis hão de fazer os senadores?
      Os bárbaros que chegam as farão.

Por que o imperador se ergueu tão cedo
e de coroa solene se assentou
em seu trono, à porta magna da cidade?

      É que os bárbaros chegam hoje.
      O nosso imperador conta saudar
      o chefe deles. Tem pronto para dar-lhe
      um pergaminho no qual estão escritos
      muitos nomes e títulos.

Por que hoje os dois cônsules e os pretores
usam togas de púrpura, bordadas,
e pulseiras com grandes ametistas
e anéis com tais brilhantes e esmeraldas?
Por que hoje empunham bastões tão preciosos
de ouro e prata finamente cravejados?

      É que os bárbaros chegam hoje,
      tais coisas os deslumbram.

Por que não vêm os dignos oradores
derramar o seu verbo como sempre?

      É que os bárbaros chegam hoje
      e aborrecem arengas, eloqüências.

Por que subitamente esta inquietude?
(Que seriedade nas fisionomias!)
Por que tão rápido as ruas se esvaziam
e todos voltam para casa preocupados?

      Porque é já noite, os bárbaros não vêm
      e gente recém-chegada das fronteiras
      diz que não há mais bárbaros.

Sem bárbaros o que será de nós?
Ah! eles eram uma solução.”

(À Espera dos Bárbaros -  Konstantinos Kaváfis)
publicado por Adelina Braglia às 11:19 | link do post

Os desdobramentos da violência urbana têm tentáculos que não se é capaz de dimensionar no cotidiano. Passamos ao largo dos seus efeitos, quando não se trata do roubo, do assalto ou do assassinato explícitos.

Ontem à noite ouvi do motorista do ônibus um relato que indica até onde vai o dano desse  caos. Assaltado já por onze vezes, ele adquiriu um novo talento: olha nos pontos de ônibus e se intui que ali, em meio aos usuários, há um suspeito, não pára. Segue em frente, mesmo reconhecendo que deixa de cumprir sua obrigação.

No último assalto que sofreu, negou essa intuição e o passageiro suspeito subiu, imediatamente  encostou uma  faca no seu pescoço, fazendo-o parar na próxima esquina,onde subiram mais dois assaltantes . Os três  “limparam” o caixa e os passageiros, levaram o dinheiro da sua semana que havia acabado de receber na garagem e foram embora, felizmente sem nenhuma agressão física. Assim, simples como o nascer do dia e o cair da noite.

Para  comprovar que é mais simples do a minha”sofisticada” avaliação da violência urbana e seus desdobramentos alcançava, contou que a maioria dos seus colegas, tanto daquela empresa quanto de outras, passara pela mesma experiência e hoje tinham  o mesmo comportamento.

Não. Eu não consegui criticá-lo e, menos ainda, fazer-lhe uma “brilhante” sugestão.                    

Aprendi ontem que agora  devo prestar atenção nos que sobem e ver se trazem na testa a marca da maldade!

Obrigada, Governadora Ana Júlia Carepa.
Meus agradecimentos, Prefeito Duciomar Costa.

Avançamos na cidadania às avessas. Ao invés de solidariedade,  a vingança. No lugar da  fraternidade,o medo.  E justiça, só aquela feita pelas próprias mãos.

Das calçadas de Nova Déli, o povo  vos saúda.
 

 
 

 

publicado por Adelina Braglia às 17:08 | link do post

 

Na famosa carta a Mário de Andrade, escrita na chegada a Manaus, em junho de 1927, Manuel Bandeira declara sua paixão a Belém dizendo “... Quero Belém como se quer um amor...”.
 
Oswald de Andrade no Manifesto da Poesia Pau-brasil diz: “... Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará...”.
 
Paes Loureiro mostra o Largo do Relógio com “... Sacadas e calçadas. Namorados. E a palavra amor voando de alto a baixo...”
 
A mim, no século XXI, sobrou despedir-me a cada dia de Belém com uma tristeza infinda.
 
Não. Não sou imbecil e não acuso Duciomar Costa de, sozinho, ser o responsável pelo caos de Nova Déli. Nosso Átila-no-tucupi recebeu e recebe muitas contribuições do passado e no presente e das questões que não são inerentes à sua capacidade (sic) de solucionar problemas. A diferença é que há municípios e cidades que avançam na melhora do presente, apostando na participação organizada da sociedade, no compartilhamento de decisões, no planejamento estratégico com vistas ao futuro, coisa que o nosso alcaide não faz e não deixa fazer.
 
Na sua medíocre, egocêntrica e danosa visão de metrópole – para ficar só nos elogios semânticos – Duciomar Costa em oito anos (ou seis, pois o Senado acena para ele e ele para o Senado, junção perfeita de desejos nesta era lulo-sarneysista) deixará danos graves, como o agravamento da apropriação do espaço público pelo interesse privado, o cinismo como argumento contra as evidentes comprovações de mau uso e/ou uso indevido de recursos públicos, típicos de gestões irresponsáveis e lamentavelmnte reeleitas, mas o maior deles é o sufocamento da então nossa recém nascida– via Almir Gabriel, através da ASCOM então coordenada por Mariano Klautau, e não apenas por Edmilson Rodrigues - participação popular na gestão pública.
 
Esse é o maior crime de Duciomar e, talvez, o que explicará o nosso retrocesso no caminho da cidadania quando alguém, em 2080, quiser compreender porque Belém-parou-parou-por-quê?. Graças ele e à sua danosa intervenção na vida da cidade, será fácil perceber que os processos e mecanismos que moveram esta sociedade, nos idos de 2002 e mais alguns anos, foram centrados no impedimento da participação na gestão, no descolamento da co-responsabilidade dos cidadãos nos bons e maus resultados e no desalentador sentimento de estávamos apartados da cidade onde vivíamos.
 
Esse será o maior legado de Dudu.
publicado por Adelina Braglia às 20:19 | link do post

 

Premiado com ações por desvio e mau uso de recursos públicos pelo Ministério Público Federal do Pará, o Prefeito Duciomar Costa transformou-se num alcaide virtual. Aparece nas propagandas institucionais da Prefeitura na TV e só ali. Aliás as propagandas teimam em provar que ele vive em Belém e nós em Nova Déli.
 
Vencida a eleição, onde demonstrou que com a força divina e o voto do povo estava absolvido de todos os injustos crimes que lhe foram pespegados à pele e à conhecida e tristonha biografia, sumiu!
 
Enquanto isso, eu procuro pela cidade uma rua sem buracos, uma calçada – um quarteirão apenas – sem desníveis ou armadilhas perigosíssimas, uma área onde haja racionalidade no fluxo de veículos,  uma praça sem lixo ou com cestos de lixo que não estejam arrebentados. Não procuro propositalmente. Procuro porque sou usuária de transporte público, porque ando sempre tensa nas calçadas esburacadas e desniveladas e desço do ônibus na praça onde as lixeiras estão destroçadas.
 
Procuro, agora propositalmente,  saber onde andam os recursos do Ministério da Saúde para a atenção básica, disponibilizados para Belém e dispostos assim, em camadas, pelo MPF, por número de processos:
 
200639000049857 – 5ª Vara Federal – Ação de improbidade administrativa 
- Desvio de finalidade de mais de um milhão de reais de recursos federais da saúde para aquisição de carros para a Guarda Municipal
- O MPF pede a condenação dos envolvidos – Silvia Randel, Willliam Gomes Lôla, Manoel Francisco Pantoja Dias e Duciomar Gomes da Costa – a perda de direitos políticos e a devolver os recursos desviados.

200601000368799 - Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Ação penal
- Desvio de finalidade no uso de recursos federais para aquisição de carros para a Guarda Municipal
- O MPF pede a condenação de Duciomar Gomes da Costa à prisão, a perda do mandato e à inabilitação para exercício de função pública por período determinado.

200539000096198 – 5ª Vara Federal – Ação civil pública
- Irregularidades nos repasses dos pagamentos do Sistema Único de Saúde aos hospitais da rede conveniada
- O MPF tenta obrigar a prefeitura a regularizar os repasses.

200539000070493 – 5ª Vara Federal – Ação civil pública
- Compra irregular, por nove milhões de reais, do Hospital Sírio-Libanês
- O MPF pediu o cancelamento da transação.
 
 
Volte, Prefeito. Volta! Conta para nós onde está o dinheiro!
 
Enquanto isso, estamos aqui, esperando, cantando com a Gal!
 
 
 
publicado por Adelina Braglia às 09:42 | link do post

 

 
 
Ali  não é o Juvêncio, Bené?
pergunta o Ronaldo, na dúvida.
- Mas esse rapaz é tão novo!
- Novo, mas vem chegando,
diz Padre Sérgio, ansioso.
 
- Mas, rapaz, o que foi isso?
Não o esperávamos tão cedo,
fala o Gribel um pouco nervoso.
 
E o Juca responde:
nem eu!
Não  sei bem porque já vim,
deixei o micro ligado!
Foi tudo tão repentino
que estou um pouco  atordoado!
 
- Ah!, mas foi isso, rapaz!
Micro, pauta e talento,
isso faz muito sentido.
Temos muito disso aqui,
mas espalhado entre nós.
De uma só vez reunido
está em falta no mercado.
 
- Hoje à tarde no escritório,
enquanto a gente tentava
trabalhar sempre a dez mãos
- Ronaldo, Padre Sérgio e eu,
Benedicto e Sapucay -
chegamos à conclusão
que a tarefa era difícil,
diz Lurdinha com a voz mansa.
 
- Mas, vendo a sua chegada,
com esse jeito bonachão,
acho que agora temos
nossa melhor solução.
 
- O que pra você é trivial,
para nós é um  tormento.
E, face ao aparelhamento
do campo adversário,
firmamos a convicção
de que não dá mais pra enfrentar
o Diabo com rosário!
 
- É certo que se soubéssemos
que essa súbita partida
traria tanta tristeza
e deixaria um vácuo enorme
no coração da sua gente,
diríamos ser melhor,
caso nos consultassem,
ir dando um jeito por aqui
enquanto programavas a viagem.
disse o Sapucay.
 
 
- Mas, já que você chegou,
senta aqui do nosso lado
e vamos traçar o plano
pra que em breve a Santa Emenda,
que editamos a duras penas,
se complete com sua verve,
seu talento,
e experiência,
além desse bom veneno,
reunidos num só corpo.
 
E, ainda que sua surpresa
pela vinda inesperada,
vá lhe tomar uns momentos,
não se preocupe,
esperamos.
Afinal a eternidade
tem entre algumas vantagens,
o tempo e a fraternidade.
 
- Mas, anime-se rapaz,
diz o Bené, diligente..
Assim que estiver disposto,
nos chame pra começar
uma edição renovada
desse blog aqui mantido.
 
- Ainda que com talento,
mas sem sua desenvoltura,
somos  blogueiros ultrapassados,
espicaça Padre Sérgio
por saber que do outro lado
esbravejaria o Ronaldo:
- velhos, não, desatualizados!
 
- Exercitando conosco
aquilo que tão bem fizestes
na peleja contra o mal,
- ainda que sob outras formas -
vamos estourar os bits
daquela Rasura Infernal.
 
(*) meu amigo Antonio Maria sabe a que céu me refiro. Um céu particular, um pouco afastado dos velhinhos chatos e dos barulhentos anjos que tocam harpa. Um céu para pessoas especiais.
publicado por Adelina Braglia às 12:16 | link do post

 

Boa noite, Juca querido.
 
Mudei-me hoje. Começo este novo blog sob a pior perspectiva que poderia estimulá-lo: você se foi sem autorização alguma! Hoje, por volta das 14:00 horas, o câncer venceu você.
 
Tá certo. Foi uma luta extremamente injusta contra um inimigo feroz.,  onde suas armas – a honestidade intelectual, a verve, a experiência, a ironia, a inteligência e o humor – não davam nem pra saída. Afinal, se há coisa que um câncer não tem é inteligência, verve  e humor!
 
Pois é. Fica assim meio idiota, né? Afinal, depois de alguns anos, vou escrever o que eu bem entender, num monólogo chôcho...rsrsrs...
 
Nossa convivência foi mais curta do que eu gostaria – salvo episódicos encontros quando o Lucas ainda andava num carrinho de bebê! – e uma ou outra raríssima vez , até a nossa última cerveja mais ou menos há um ano.
 
Nossa convivência foi curta demais para uma vida idem, mas proficua o suficiente para nos dar densidade e comunhão de sonhos e algumas idéias comuns ancoradas em princípios universais. Justiça, fraternidade, solidariedade. E reconheço que as suas idéias sempre foram mais bem articuladas e bem fundamentadas do que as minhas. E a Bia da blogosfera, embora tenha nascido antes de freqüentar o Quinta, cresceu e tornou-se mais madura com a convivência prazerosa e estimulante com você. Por isso ela muda-se para cá. Por isso, ela deixa o Travessia, onde a substitui quem a criou e vem conversar aqui enquanto o pra sempre durar.
publicado por Adelina Braglia às 21:35 | link do post
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