Dedicado a Juvêncio de Arruda. Para quem Belém, pelo abandono, pela incivilidade pública, pela destruição sistemática da esperança de cidadania - embora ele lutasse permanentemente por ela - deixou de ser Santa Maria de Belém do Grão Pará.

 

Li agora pela manhã no Blog de Notas de José Serra seu pronunciamento na inauguração do Instituto Vladimir Herzog, em São Paulo, dia 25 de junho passado.
Em meio à apresentação do Instituto e da justificativa para a homenagem a Herzog, o Governador de São Paulo fala do significado do assassinato do jornalista pelo DOI CODI e porque isto se destacou das constantes e violentas ações da repressão mesmo no governo Geisel. Disse o Governador:


Por certo, as coisas não mudaram de um dia para o outro: as detenções arbitrárias continuaram, as agressões e torturas contra presos políticos também, prosseguiram os assassinatos, mas o imenso clamor provocado pela morte de Vlado ajudou a quebrar a espinha dos setores mais radicais do regime e, assim, a manter vivo o lento processo da abertura programada.

(...)
A reação da sociedade em conseqüência desse assassinato, que teve, com a presença de muitos no enterro e no culto ecumênico da Praça da Sé, seu primeiro grande ato público, mostrou que era possível fazer oposição e lutar por democracia de modo pacífico, quase silencioso, como o exigia o sentimento de luto. Mas, ao mesmo tempo, era uma oposição corajosa, firme e clara nos princípios que defendia e na condenação a qualquer forma de violência como instrumento de ação política.

(...)
 
Afável, de modos tranqüilos, quase sempre sorridente, Vlado não tinha nada do agitador, do polemista, do líder autoritário. Essas características marcantes de sua personalidade contribuíram para ampliar a repulsa moral ao regime. Não haveria mais recuo possível: se Vlado, um homem sereno e sensato, cuja única arma era a palavra, tinha morrido vítima da repressão, ninguém poderia se sentir seguro, pois restara evidente que não haveria limites para a violência.

O ato na Sé mostrou que havia espaço para uma oposição moral, intelectual e política ao regime militar, que essa oposição expressava os sentimentos da imensa maioria moderada e democrática, e que seria tanto mais eficaz quanto mais ampla e mais pacífica fosse, superando as divisões ideológicas, sem perder a firmeza e a clareza do objetivo comum: a volta à democracia.”
 
Quase como uma idéia fixa e sem medo de usar a comparação,  penso: onde anda a nossa “ oposição moral, intelectual e política” cadê os “sentimentos da imensa maioria moderada e democrática” de Belém que permitem o assassinato diário da cidadania perpetrado pelo Prefeito Duciomar Costa?
Ou será que não é mesmo comparável a reação da sociedade ao assassinato de Herzog como limite impossível de transpor ou ignorar na  conivência com o arbítrio? O assassinato persistente, cotidiano, da cidadania, o massacre de mais de um milhão de pessoas nas filas dos PS e postos de saúde, perdidos na desordem e no caos de uma cidade que não se reconhece como tal, não é uma vertente da luta democrática? Quantos mais, anônimos e rapidamente esquecidos, vão morrer?
Na semana passada, com a resistência de alguns vereadores, o Prefeito fez aprovar na Câmara o “bônus do ISS” para os empresários de ônibus. A desinformação dos que mais sofrem aliado ao desprezo da elite e ao silencio das nossas acolchoadas "camadas médias" ampliam o sofrimento do povo e têm facilitado sempre as ações perniciosas da Prefeitura de Belém e esta teve um gosto amargo de acinte ao desumano serviço que os beneficiados “prestam” à população.
Como ato cínico desta ópera bufa ontem pela manhã um (não, não é eufemismo, era um só) solitário uniformizado da CTBel, munido do seu apito, mandava que os ônibus encostassem na guia no Ver-o-Peso para pegar e deixar passageiros! Essa é, certamente, a contrapartida para a população, pelas benesses concedidas às empresas. O empastelamento de todas as noções de direitos e deveres!
Recentemente sonhei com o dia, que presumia não estar tão longe, em que,  antecipando democraticamente a eleição, seríamos capazes de demonstrar “oposição moral, intelectual e política”  a esse cinismo amplo, geral e irrestrito do Prefeito de Belém. Mas, esses valores não estão disponíveis em quantidade suficientemente na praça de Belém. Na praça de Belém estão disponíveis em grande quantidade a omissão, a cegueira, a surdez e a anestesia moral.

Não, não vou ressalvar as “honrosas exceções”. Cada um sabe quem e o que é.

 
publicado por Adelina Braglia às 07:13 | link do post

 

Despeço-me do Pará, neste tempo que me falta para ir embora, numa simbólica diuturna despedida de Belém. Faço isso sem mágoas, mas com alguma tristeza.
Desencarno vagarosamente das pessoas cansadas que dividem comigo o desconforto do péssimo transporte coletivo. Das que se aboletam nas ruas esperando o ônibus, porque a calçada está tomada por barracas, por táxis e carros particulares que fazem dela seu estacionamento. Despeço-me da tão decantada e falsa alegria do nosso povo e do gosto do açaí e do cupuaçu.
Despeço-me de Belém, dia após dia, e os contornos da tristeza se definem pela constante e desesperançada ausência de cidadania.
Passeio meu olhar pela cidade, nos trajetos que tão bem conheço e não reconheço neles mais a cidade onde um dia quis vir morar. Cada esquina, cada rua, cada praça, parecem perder-se do conjunto daquilo que conformaria uma cidade, se ela assim quisesse ser.
Quando a vi pela primeira vez, numa véspera de ano novo em 1976, tive a impressão de ver uma adolescente. Maldosamente sensual e angelicamente indefesa. Mas a Belém que enxergo hoje parece mais com uma decadente senhora, cujos encantos foram sugados pelo tempo, cujas plásticas não surtiram efeito e em quem as aplicações de botox foram desfeitas.
Quando saio deste devaneio sei que Belém nunca foi uma adolescente, nem é uma senhora decadente. Essa imagem suaviza a verdade: esta é uma cidade abandonada à própria sorte, amaldiçoada pela elite mesquinha que a suga e entregue a um indefinido destino pelas desventuras de quem a habita no andar debaixo.
Das janelas de Belém diviso o Pará - diverso, heterogêneo – e recaio na imagem comparativa de um homem, já não mais tão jovem, e fica impossível imaginar coisa melhor para descrever este Pará de hoje do que os versos de Ruy Barata:
Saberás quem somos
pela ausência da voz,
pelo rio envelhecido
e na fadiga das frases dissipadas.
Diante de ti a nudez falará por nós
pois as dádivas e sonhos dispersamos
e as mãos vazias dissiparam o tempo.
A fêmea e a cidade conquistamos,
mas do Invisível
a rosa que colhermos será sempre
viçosa e fresca sobre a nossa tumba.
Somos da terra o sal
mas nem sabemos
e deitados na Parábola morreremos
na primavera das palavras novas,
no segredo que faz nossa alegria.
Estrangeiros na pátria que elegemos
vazios do santo amor,
pobres da Graça,
a saudade da hora não cumprida,
a tristeza do rei que inveja o escravo.
 
 
PS: este vai também para o Travessia.
publicado por Adelina Braglia às 23:46 | link do post
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