Quarta-feira, 14 de Outubro de 2009
Li agora pela manhã no Blog de Notas de José Serra seu pronunciamento na inauguração do Instituto Vladimir Herzog, em São Paulo, dia 25 de junho passado.
Em meio à apresentação do Instituto e da justificativa para a homenagem a Herzog, o Governador de São Paulo fala do significado do assassinato do jornalista pelo DOI CODI e porque isto se destacou das constantes e violentas ações da repressão mesmo no governo Geisel. Disse o Governador:
“Por certo, as coisas não mudaram de um dia para o outro: as detenções arbitrárias continuaram, as agressões e torturas contra presos políticos também, prosseguiram os assassinatos, mas o imenso clamor provocado pela morte de Vlado ajudou a quebrar a espinha dos setores mais radicais do regime e, assim, a manter vivo o lento processo da abertura programada.
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A reação da sociedade em conseqüência desse assassinato, que teve, com a presença de muitos no enterro e no culto ecumênico da Praça da Sé, seu primeiro grande ato público, mostrou que era possível fazer oposição e lutar por democracia de modo pacífico, quase silencioso, como o exigia o sentimento de luto. Mas, ao mesmo tempo, era uma oposição corajosa, firme e clara nos princípios que defendia e na condenação a qualquer forma de violência como instrumento de ação política.
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Afável, de modos tranqüilos, quase sempre sorridente, Vlado não tinha nada do agitador, do polemista, do líder autoritário. Essas características marcantes de sua personalidade contribuíram para ampliar a repulsa moral ao regime. Não haveria mais recuo possível: se Vlado, um homem sereno e sensato, cuja única arma era a palavra, tinha morrido vítima da repressão, ninguém poderia se sentir seguro, pois restara evidente que não haveria limites para a violência.
O ato na Sé mostrou que havia espaço para uma oposição moral, intelectual e política ao regime militar, que essa oposição expressava os sentimentos da imensa maioria moderada e democrática, e que seria tanto mais eficaz quanto mais ampla e mais pacífica fosse, superando as divisões ideológicas, sem perder a firmeza e a clareza do objetivo comum: a volta à democracia.”
Quase como uma idéia fixa e sem medo de usar a comparação, penso: onde anda a nossa “ oposição moral, intelectual e política” cadê os “sentimentos da imensa maioria moderada e democrática” de Belém que permitem o assassinato diário da cidadania perpetrado pelo Prefeito Duciomar Costa?
Ou será que não é mesmo comparável a reação da sociedade ao assassinato de Herzog como limite impossível de transpor ou ignorar na conivência com o arbítrio? O assassinato persistente, cotidiano, da cidadania, o massacre de mais de um milhão de pessoas nas filas dos PS e postos de saúde, perdidos na desordem e no caos de uma cidade que não se reconhece como tal, não é uma vertente da luta democrática? Quantos mais, anônimos e rapidamente esquecidos, vão morrer?
Na semana passada, com a resistência de alguns vereadores, o Prefeito fez aprovar na Câmara o “bônus do ISS” para os empresários de ônibus. A desinformação dos que mais sofrem aliado ao desprezo da elite e ao silencio das nossas acolchoadas "camadas médias" ampliam o sofrimento do povo e têm facilitado sempre as ações perniciosas da Prefeitura de Belém e esta teve um gosto amargo de acinte ao desumano serviço que os beneficiados “prestam” à população.
Como ato cínico desta ópera bufa ontem pela manhã um (não, não é eufemismo, era um só) solitário uniformizado da CTBel, munido do seu apito, mandava que os ônibus encostassem na guia no Ver-o-Peso para pegar e deixar passageiros! Essa é, certamente, a contrapartida para a população, pelas benesses concedidas às empresas. O empastelamento de todas as noções de direitos e deveres!
Recentemente sonhei com o dia, que presumia não estar tão longe, em que, antecipando democraticamente a eleição, seríamos capazes de demonstrar “oposição moral, intelectual e política” a esse cinismo amplo, geral e irrestrito do Prefeito de Belém. Mas, esses valores não estão disponíveis em quantidade suficientemente na praça de Belém. Na praça de Belém estão disponíveis em grande quantidade a omissão, a cegueira, a surdez e a anestesia moral.
Não, não vou ressalvar as “honrosas exceções”. Cada um sabe quem e o que é.