Quinta-feira, 17 de Dezembro de 2009
Quem tiver passado por Manaus nos últimos quinze anos, em momentos diversos, acompanhou a notável melhoria da capital amazonense. Eu, por motivos variados - profissionais e de lazer - tenho vivido essa experiência. E a cada volta noto essa melhoria.
Como no mesmo período, apesar dos esforços, Belém não conseguiu a mesma façanha, penso ter utilidade fazer algumas comparações e reflexões.
Manaus tinha conseguido resolver o problema do comércio de rua, que desgraça Belém, tornando-a uma cidade, para ser complacente, com um centro (downtown, como dizem os guias de viagem) medíocre. Em Manaus o problema está voltando, nas imediações do porto principalmente, que está mais ou menos como a calçada em frente ao Seminário Teológico Batista Equatorial daqui de Belém (para quem não consegue mais ler o letreiro ou dele não se lembra, fica ao lado do Shopping Castanheira, na saída - ou entrada - da cidade que já foi a Metrópole da Amazônia, embora o saudoso Juvêncio Arruda, no seu vivíssimo Quinta Emenda, registre outro apodo, Merdópolis). Nesse quesito as duas estão empatadas ou empatando. Pior para as duas.
Alguns anos atrás, quando Manaus começou a concentrar a população do Amazonas, teve quem fizesse cara de horror. Atualmente, Manaus concentra cerca de 51% da população do Amazonas e Belém tem apenas algo como 19% da população do Pará. Desse simples dado puramente demográfico resulta uma consequência política importante, pois o eleitorado varia na ordem direta da população (os eleitores correspondem mais ou menos a metade da população total). Vai daí que Manaus tem um peso político relativo - em termos eleitorais pelo menos - 2,7 vezes maior que o de Belém, e isso faz uma grande diferença. Assim, o que parecia um problema - a concentração da população do Amazonas em Manaus - tornou-se uma solução. E que solução. Concentrando a população em Manaus, graças ao sucesso do Polo Industrial - o único que vingou da Zona Franca de Manaus, pois o Polo Agropecuário e a Zona Franca propriamente são quase virtuais - a pressão sobre o bioma amazônico no Amazonas é mínima, comparado com o que acontece no Pará. Dir-se-á que é uma solução artificial e dependente exclusivamente do Polo Industrial, o que é verdade. Quando o Polo Industrial gripa - como agora, na crise - Manaus tem pneumonia. Por isso o empenho sincero e quase desesperado de todos em favor da manutenção da Zona Franca e a aposta na Copa do Mundo, da qual resultaria, acredita-se, um impulso definitivo para o turismo - que está alguns furos acima do Pará - o que seria uma alternativa para a dependência excessiva do Polo Industrial. Manaus pretende seguir os passos de Barcelona e fazer o seu próprio revival, como nos bons e áureos tempos da borracha, a bonanza cauchera que deixou suas marcas em Iquitos, Manaus e Belém.
Com poder político, Manaus é, efetivamente, uma capital, de população já maior que Belém (1,7 milhão daquela contra 1,5 desta). Capital deriva de caput, capitis (terceira declinação). Caput quer dizer a extremidade superior ou mais importante de alguma coisa. Assim, capital é uma cidade superior ou mais importante dentre outras, com capacidade de liderar, dirigir, conduzir, apontar rumos, pensar. Manaus tem essa capacidade. Belém tinha, mas está perdendo, tornando-se uma cidade sem cabeça, descabeçada, desmiolada mesmo, e os exemplos disso são cotidianos, estão à vista de qualquer um que tenha olhos para ver e não se dê à demagogia ou ao populismo. Não espanta, pois, que sua liderança seja contestada a Sul e a Oeste do Estado, não sem razão. Manaus é hegemônica e sua liderença não sofre contestações ou impugnações. Por isso mesmo enquanto o Pará enfrenta dois movimentos secessionistas no Amazonas isso simplesmente não é tema que ocupe ou preocupe ninguém
O orçamento geral do Estado do Pará para este ano de 2009, que está terminando, é de exatos R$10.859.396.377,00. O do Amazonas é, para este mesmo ano, R$8.016.719.000,00.
Considerando as respectivas populações (7,4 milhões de habitantes para o Pará e 3,4 milhões de habitantes para o Amazonas), tem-se que a receita pública do Pará é R$1.461,36 por habitante/ano , enquanto a do Amazonas é R$2.399,43 por habitante/ano.
O Produto Interno Bruto - PIB per capita do Amazonas é R$13.043,00 e o do Pará é R$7.007,00. Os números são eloquentes.
Comparado com o do Pará, o governo do Amazonas dispõe de 64% a mais de recursos públicos para gastar com cada um de seus 3,3 milhões de habitantes. Não é de espantar que as escolas de Tabatinga estejam bem pintadas, tenham jardins bem cuidados, os seus alunos usem uniformes com as marcas de um programa estadual (aliás, a SEDUC do Amazonas é de educação e qualidade do ensino) e os barcos para transporte escolar sejam encontrados com muita frequência ao longo do rio Solimões. Os recursos são bastante e suficientes para cuidar bem de Manaus - a cidade está construindo seu décimo elevado, enquanto Belém tem apenas um e meio e mais aquela coisa ali no Entroncamento - e o cobertor não fica curto para atender também a metade da população do Estado que vive nos demais Municípios.
O PIB per capita do Amazonas é 86% maior que o do Pará, o que não é pouca coisa. E os resultados disso não podem ser negligenciados, embora isso não signifique que o Amazonas é um mar de rosa. Mas significa que o Pará está bem mais empobrecido que o Amazonas.
Não espanta, assim, a desenvoltura do governo do Amazonas em certos temas, inclusive os relacionados ao desenvolvimento sustentável. Vis-à-vis, enquanto o Amazonas tem a seu dispor um elenco de soluções para seus problemas, o Pará tem um elenco de problemas a desafiar soluções, cada vez mais impossíveis enquanto se mantiver essas relações adversas (baixa receita pública per capita e baixo PIB per capita).
Para agravar essas comparações adversas ao Pará, este tem ainda a seu desfavor um modelo neoextrativista centrado em minérios destinados ao mercado externo, que gera escassos efeitos econômicos internos - e abundantes efeitos social e ambientalmente adversos - enquanto no Amazonas nem mesmo a extração de madeira produz os mesmos efeitos adversos e o gás de Urucú é em boa parte destinado ao mercado interno e isso gera efeitos econômicos positivos.
Também por isso não espanta que sucessivos governos paraenses não consigam encontrar soluções para os graves problemas do Pará e que estes dados aqui mostrados sejam cuidadosamente evitados por todos os candidados, nas épocas eleitorais, e pelos governantes, depois delas.
O resultado disso tudo é que os paraenses nos tornamos prisioneiros da nostalgia e da esperança, renovadas a cada dois anos nas eleições gerais e municipais, quando o marketing eleitoral nos oferece soluções. Mágicas, pois não enfrentam o problema do raquitismo da receita pública e da pobreza do PIB per capita. Não por acaso temos um marketing político muito bem sucedido e premiado. E o orçamento apenas da Secretaria de Comunicação Social do Governo do Estado (62,7 milhões de reais) representa quase 0,6% da despesa pública total (a Constituição do Estado limita esses gastos ao máximo de 1% da respectiva dotação orçamentária de cada Poder).
Ao que parecem indicar esses números, romper com a nostalgia e com a esperança - e com a apatia - é o primeiro passo a dar se quisermos mesmo começar a resolver os problemas nossos, sem precisar esticar olhos compridos para o vizinho Amazonas, com ele aprendendo a transformar problemas em soluções.